sexta-feira, 1 de maio de 2009

depois da curva...

sempre, aos finais de semana, iam os três ao riacho. era a opção de lazer que tinham.
rio vermelho era o seu nome.
águas transparentes com pedras no fundo.
cruzava a rodovia uns dois quilômetros depois da entrada do acampamento. um trecho da estrada em que não havia acostamento. portanto, perigoso. andavam depressa, bem próximo da mata. seu cunhado sempre preocupado com a possibilidade de acidentes e sua irmã mais velha, algumas vezes, a puxava pela mão.

por diversas vezes, correram o mesmo trecho.
ela tentava ir à frente... quem sabe tivesse a chance de subir aquele morro onde havia algo parecido com a abertura de uma estrada, que se fechava numa curva?
sua curiosidade era saber o que havia depois dela. nunca a deixaram ir.
diziam que nada havia lá. apenas mato.
contudo, ela não pode comprovar isso pessoalmente...
e toda vez, quando iam ao riacho, batia aquela enorme vontade de olhar e saber o que havia depois da curva.

passavam horas no rio.
entravam na água. procuravam pedras bonitas (ela faz isso até hoje).
e ela ficava pensando num jeito de subir a “estrada” e descobrir o que havia depois da curva.
tentava, tentava e nada... nunca era possível.
e foi assim que ela construiu um mundo naquele local. o seu mundo...
direcionou todos os seus sonhos para logo depois da curva...
quando ainda criança, havia ali um príncipe que se casaria com ela e resolveria todos os seus problemas.
ela seria amada, querida, protegida, intocada... para ela haveria apenas carinho, amor, ternura, e muito doce... de preferência, sorvete. ahh... ela teria brinquedos também. todos.
um pouco mais tarde, a figura do príncipe com um chapéu de penacho estilo branca de neve deu lugar a meninos conhecidos...
na época, dizia-se “pão”. e cada vez que ela sonhava com o lugar, havia um pão especial. alguém que seria totalmente dela... que faria todas as suas vontades.
teria um bom emprego e um rendimento digno. com certeza ele conseguiria bancar o seu potencial consumismo.
já não havia castelo, mas sim uma casa maravilhosa. daquelas de fazer inveja às atrizes das tvs tupi e record (as bam-bam-bans da época).
houve um período em que trocou tudo isso por uma casa mais simples. confortável. com mobílias de primeira qualidade. taco com cascolac e tudo o mais... teria até máquina de lavar roupas.
o moço? ahh... ainda era um dos bonitões que circulavam nas proximidades.



cresceu! (será?)
a vida virou uma roda-viva.
trabalho, estudos, compromissos sociais. amigos, paqueras, iptu, ipva, inflação, diretas já, plano bresser, plano collor, plano verão, prestação da casa, condomínio, reengenharia, competição, solidão... ufa!
caiu no esquecimento o lugar depois da curva...
e o tempo passou... e passou...
a reengenharia a levou para outra cidade...
e lá havia um rio. águas cristalinas e pedras no fundo...
a primeira vez que para ele olhou, de imediato, veio à sua memória: o depois da curva...
voltou a sonhar.
hoje, depois da curva, é encontrada uma casa simples, confortável, contendo o necessário para duas pessoas viverem bem.
em volta da casa, vegetação, diversos tipos de árvores frutíferas ou não... flores... água... uma nascente....
pelo quintal, gatos, cachorros, sapos, galinhas, pássaros, borboletas...
um ar fresquinho e um homem companheiro...
ela não é mais a mais bonita. contudo, não perdeu o brilho do olhar.
os movimentos são lentos.
o tempo passa devagar. têm suas limitações físicas... nessa idade, tudo dói... há, porém, uma horta no quintal, um jardim feito pra ela, um lugar dedicado a ele... juntos apreciam o canto e o colorido dos pássaros, trocam impressões sobre os diversos insetos que povoam e polenizam as flores, amam a simplicidade, trocam segredos e lembranças, entendem-se pelo olhar...

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(o) - (o) - (o) - (o) - (o) - (o) - (o) - (o) - (o) - (o)
estou amando e sinto-me amada.

meu beijo e meu carinho a quem vier...


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Um comentário:

Quasímodo disse...

Pode haver tantas coisas depois da curva. Ou pode não ter nada de extraordinário.

Mas o fato de haver uma curva, e o desconhecido depois dela, nos incentiva a dobrá-la. E então, ao dobrá-la, descobrimos que mais adiante tem outra curva e outro mundo desconhecido depois dela.

E de novo, alma inquieta e insaciável, nos invade a necessidade de também dobrá-la, mesmo que ainda não tenhamos sorvidos, saboreados e vividos o mundo que recém se descortinara depois da primeira curva.

Nossa inquietude nos move a prosseguir. Até quando?.. Talvez enquanto existirem curvas adiante. Ou mares nunca dantes navegados.

É a inquietude dos descobridores que temos em nós, e que sem a qual, estaremos mortos.

Também navego nos mares dos amores incertos. Mas me inquieto para dobrar a próxima curva. Sem temor de que ela seja a das Tormentas, ou a da Boa Esperança.

Parafraseando Pessoa, em "A Tabacaria"... Se ela tiver que vir, que venha...

Uns, querida, escreves muito bem. Estabeleces uma continuidade e uma construção imaginária que nos prende até o ponto final...

Nos permite te "ler" vendo a imagem que constróis com letras.

Beijo grande.